Este livro traz o nome de Levítico, por tratar quase exclusivamente dos deveres sacerdotais. Poder-se-ia compará-lo a um ritual.
Com exceção de dois trechos históricos (8:10, 24:10-23), compõe-se inteiramente de leis que visam à santificação individual e nacional. Santificação, de per si ritual e exterior, que, porém, simboliza e promove certa santidade interior e moral.
Toda a matéria pode ser dividida em cinco partes:
1a) Leis relativas aos sacrifícios (1:7). Os sacrifícios são de cinco espécies; duas séries de leis: l” série – o rito de cada sacrifício (1:5), holocausto (1), oblação de vegetais (2), sacrifício salutar (3), sacrifício expiatório (4), sacrifício de reparação (5). 2° série -direitos e deveres dos sacerdotes em cada espécie de sacrifícios (6-7).
2a) Consagração dos sacerdotes (8:9). Nadab e Abiú são punidos por terem usurpado um ofício sagrado (10:1-7). Várias prescrições para os sacerdotes (10:8-20).
3a) Leis sobre a pureza legal (11:16) dos alimentos (11), da puérpera (12), da lepra nas pessoas (13:1-46, 14:1-32), nas vestes (13:47-59) e casas (14:33-57); sobre a gonorréia (15). Rito para o dia solene de expiação (16).
4a) Leis sobre a santidade (17:23): a) do povo (17:20); matança dos animais, uso do sangue, unicidade do santuário (17); prescrições que regulam os atos sexuais (18); várias prescrições religiosas e morais (19); punição para os transgressores (20); b) dos sacerdotes: núpcias e luto (21:1-15); irregularidades (21:16-24); impureza cerimonial (22:1-16; qualidades das vítimas (22:17-30); conclusão (22:31-33); c) dos dias festivos: solenidades anuais e o sábado (23).
5a) Determinações diversas: lâmpadas no santuário e pães da apresentação (24:1-9); pena para o blasfemador (24:10-23); prescrições para o ano sabático e jubileu (25); promessas e ameaças relativas à observância da lei (26); votos e dízimos (27).
O sacrifício, o ato mais sagrado, da religião, isto é, oferecer a Deus vítimas, animais ou vegetais, não foi instituído por Moisés, mas remonta às próprias origens da humanidade (Gênesis 4:3-4). Moisés encontrou o seu uso estabelecido e arraigado entre todos os povos. Nas tabuinhas recentemente descobertas em Ras Shamra (antiga Ugarit), na Fenícia setentrional, anteriores alguns séculos a Moisés, são mencionadas espécies idênticas de sacrifícios, até mesmo com nomes iguais (afinidade das duas línguas) aos do Pentateuco. Moisés, com suas leis, só regulamentou e consagrou ao culto do verdadeiro Deus um cerimonial já praticado, deixando ainda toda essa legislação dos sacrifícios separada das condições essenciais do pacto celebrado entre Deus e o seu povo (Êxodo 19:23). Nesse sentido deve-se entender aquele protesto do próprio Deus contra os judeus, por boca de Jeremias (7:22-23): “Em matéria de sacrifícios e holocaustos, eu nada disse e nada ordenei aos vossos pais ao tirá-los do Egito; dei-lhes somente esta ordem: Escutai a minha voz; eu serei vosso Deus e vós sereis o meu povo, cf. Êxodo 19:5”.
Nada, portanto, impede atribuir-se ao próprio Moisés a legislação cerimonial do Levítico, embora seja óbvio que não a tenha escrito toda de uma vez e se tenha servido, para fixá-la, da obra de algum sacerdote ou levita de profissão. Nem se exclui que algumas destas leis tenham recebido em tempos posteriores modificações e acréscimos.
Devemos observar ainda, que todas essas leis cerimoniais foram elaboradas depois de Jesus Cristo. Entretanto, os sacrifícios da antiga lei haviam prefigurado o seu sublime sacrifício na cruz, no qual, único e perfeito sacrifício, teve cumprimento toda a variedade dos sacrifícios do Antigo Testamento. Ou melhor, como nos ensina S. Paulo (Hebreus 9:9, 10:10), os sacrifícios levíticos recebiam sua principal eficácia de aplacar a Deus daquele valor figurativo, pois que “é impossível que, por si só, o sangue dos touros e dos cabritos cancele os pecados” (Hebreus 10:4). Considerados no seu significado típico e simbólico, os ritos escritos no Levítico continuam e continuarão a ser instrutivos.